Nunca fui uma pessoa
que apreciasse longas noites. Embora gostasse de me deitar no relvado do
jardim, num dia de Verão, e de observar as trovoadas pela janela do meu quarto,
a noite é quando a mente fica desocupada dando aso a tudo aquilo em que não
quero pensar. Durante o dia tinha-a ocupada com os trabalhos que os professores
me exigiam, com aulas, com o conversar de colegas de faculdade, com o
burburinho do mundo que me rodeiava; o barulho era uma segunda casa embora seja
uma pessoa calada e reservada grande parte do tempo. A noite era diferente.
Mas, lá estou eu. Deitada de olhos
abertos e acordados, de barriga para cima e com as mãos sobre a mesma. O tecto
do meu quarto precisa de ser limpo e pintado. Está calor agora, mas durante a
noite esfria e eu pesco o cobertor já velhinho. A única luz presente no quarto
é a do candeeiro na mesa-de-cabeceira. Acabei de ler um livro mas ainda não me
sentia cansada o suficiente, ou com vontade de dormir, para fechar os olhos e
ser embalada pelos pózinhos do João Pestana.
Como vim aqui parar? É uma
pergunta legítima e que todos já se fizeram a si próprios uma vez por outra. É
normal. Ou pelo menos, acho que assim o seja. No meu caso, eu tenho imensa
curiosidade em saber como vim aqui parar, quem me pôs aqui e porque é que aqui
estou. São perguntas que aparentam ter uma resposta rápida e evidente mas as
perguntas simples têm sempre uma rasteira qualquer. Podia dizer que estou aqui
porque os meus pais assim o quiseram, por que quiseram ter filhos; ou porque um
ser superior a tudo isto assim o quis; ou então, ainda mais simplista, vieste
parar aqui de autocarro, guiado por um motorista experiente e estás aqui para
dormir porque amanhã irás ter um dia longo na faculdade. Era uma maneira de ver
as coisas.
O que é que eu faço? É nesta
altura, enquanto o sono não chega e o corpo não está habituado à rotina, que
este género de perguntas me começa a atormentar. Sim, a atormentar. É o que
ganho depois de as ignorar por tanto tempo. Durante toda a vida, em alguns
momentos mais no que em outros, surge esta pergunta. A verdade é que nunca fui
muito ambiciosa, sempre tive vários sonhos que quis realizar mas nunca me
empenhei a sério por um deles. Levava, e ainda levo, a vida com a famosa
atitude deixa-andar-e-depois-logo-se-vê. Embora tivesse muitos sonhos, o meu
entusiasmo era leviano e passava em duas ou três semanas. Se me perguntavam se
eu tinha planos para o futuro, respondia: até lá ainda tenho tempo para me
decidir. Mas a verdade é que o tempo que tenho não está a prolongar-se. Muito
pelo contrário. O meu tempo está a acabar e ainda não sei o que quero fazer da
minha vida.
Chego ao interruptor do candeeiro e
desligo-o. Talvez assim consiga adormecer mais depressa, impedindo esses
pensamentos de tomarem conta de mim mesma. Viro-me para a direita e encaro a
parede branca por entre a escuridão.
Já nem vontade de escrever tenho.
Consigo arranjar sempre uma desculpa para não fazer algo que me dá imenso
prazer. Ou é por não ter inspiração. Ou por não saber sobre o que escrever.
Também há a desculpa de agora não ter tempo. Ou o facto que quando tenho
vontade e inspiração, por obra e graça do destino, aparece-me qualquer coisa à
frente com o mesmo tema mas escrito por outra pessoa. Ah, a ideia já foi
executada, e provavelmente ainda ficou melhor do que eu a faria. Bem, terei
outra ideia mais tarde. Não será esse o problema.
Fecho os olhos e talvez seja desta
que o sonho venha e leve os meus pensamentos com ele. Porque essa é a única
certeza que tenho para esta noite. Eu não tenho a certeza do que se passará
amanhã quando estiver no autocarro, ou na faculdade a ouvir os meus professores;
não tenho a certeza do que será o almoço ou se jantarei; não terei a certeza se
terei posto a escova e pasta de dentes na bolsa para poder passar a noite fora
de casa; nem sequer tenho a certeza se não virei para casa, para o meu quarto.
No entanto, de uma coisa tinha a certeza: que o sono viria. Mais cedo ou mais
tarde ele acabaria por tomar conta do meu corpo levando o seu desejado tempo.
Eu, sem qualquer defesa e sem resistência, deixar-me-ia levar. O meu corpo
ficaria leve, a minha respiração lenta e os batimentos do meu coração
deixar-me-iam num estado muito próximo da morte. Não que tirasse algum prazer
de estar próxima da morte, ainda tenho muito para viver. Mas gostava da
sensação que me propocionava. Paz, calma e silêncio. Não o silêncio inquietante,
no qual todos os pensamentos e preocupações vinham ao de cima. Não. Um silêncio
reconfortante. Como quem diz: já pensaste que chegue por hoje. É hora de
adormeceres. Não te debatas. Simplesmente...deixa-te ir.

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